Não me lembro de um Natal tão choroso.
Não só pelo poder de compra que perdi, e as compras que não fiz, o que não ofereci às filhas e ao marido - não comprei quase nada, mas fiz prendas para todos da família, para amigos e vizinhos
Não só pelas iguarias que não cozinhei, nem pus na mesa: fiz muito menos, queimei biscoitos, mas o resto até saiu bem..
Não só pelas separações e cinismos que vão ocorrendo na família - juntámo-nos todos de novo, mas já não é a mesma coisa
Não só pelo mau humor da minha mãe, que anda cansada, preocupada e tudo mais, mas já não é de estranhar
Foi, acima de tudo, pela consciencialização de que não sou mais da "classe média2, e passei para a "classe baixa", e em breve, poderei ser mesmo desclassificada, pelo andar da carruagem. Não estou só, nesta viagem, e isso também é grave, e não me deixa mais consolada por isso.
Foi, ainda mais que isso, pela consciencialização de como as minhas filhas estão a ser afectadas, e começam a viver assustadas com a sombra da pobreza ( e nós que ainda não chegámos à miséria de tantas famílias...nem consigo imaginar muito bem, ainda, que pior ainda está para vir). è desolador explicar-lhes, mas vejo que compreendem.
Foi um Natal de emoções, choro à flor da pele. Se calhar até foi mais Natal. Mas não dei por isso...
Se calhar, também, porque a única pessoa que está , supostamente, de orçamento folgado na família, se lembrou de mim com 3 prendas que devem ter custado, somadas, 4 €, no supermercado da esquina.
Eu fiz prendas mais baratas do que isso. Eu dei prendas mais baratas do que isso. Eu recebi prendas mais baratas do que isso. De outras pessoas. Que recebi de sorriso nos lábios e com agradecimento. Não aquele frasco de sabontete, que vou usar, é claro, mas que me está a arder no coração, como se tivesse na boca e nos olhos. Não aquela esponja de duche, que vou usar, é claro, mas que me esfolia a alma. Não aquela forma de ovo estrelado, que vou sar, é claro, mas que me queimou o coração.
Ou então, tudo não passa de mais outra fachadas, contraventada pelas traseiras, pela frente sorridente, mas que já se vai desmoronar ao primeiro vendaval. Como tantas à minha volta.