Ainda o despertador não tocara, e já ela estava na rua.
A madrugada fresca de um Outono quente era a melhor maneira de começar o dia.
O cheiro da terra húmida de orvalho entrou nela, respirou fundo, suspirou, e saiu pela porta da cozinha.
No canteiro em frente, a salsa, os coentros, cebolinho e tomilho. Arrancou algumas folhas mortas. Sacudiu algumas folhas caídas do carvalho. Quercus faginea. Alto, velho, magro, tronco torto e enfezado, com meia dúzia de bolotas. Lindo! Ao lado de castanheiros, carregados de ouriços.
Passou a garagem, pegou na mangueira e regou uns tomateiros retardados, que jamais viriam a dar fruto, só pelo sim, pelo não.
As folhas caídas dos choupos, húmidas, não restolharam sob os passos.
Não era altura de ter muita coisa.
As poucas uvas tinham sido apanhadas e comidas, porque ainda não arranjara coragem para aprender a fazer vinho, vinho que jamais iria sequer tentar provar.
Do milho, sobravam os canoucos na terra.
“ Dava-me jeito uma vaca”.
As maçarocas secavam, à espera de um dia que tivesse tempo para as descamisar. Dava mesmo jeito uma vaca. Comia os canoucos, comia as camisas, depois era lavrar.
Vaca não, depois que é que lhe fazia? Quem é que ia limpar tanto estrume, tirar leite todos os dias? Vaca não, cabras. Comiam as silvas .
Presas, para não comerem tudo.
As abóboras estavam no ponto. Menina e gila. Não sabia como lá foram parar, era para serem só courgetes, que tratara de apanhar antes de serem uns monstros de casca dura.
Pensou em doce. “Um dia destes, calha. Ficam já para prenda do Natal!.
À espera, os canteiros para as batatas, cebolas, batata doce. Daqui a uns dias as couves e os brócolos estarão mesmo a jeito.
Os marmelos vêm aí. Também as laranjas e as tangerinas hão-de vir.
Acabaram-se os feijões e as alfaces e os morangos. Acabaram-se as pêras-rocha e as maçãs. Jonagold, red delicious, golden, starking.
Já não há figos, pingo de mel, para colher todos os dias de manhã.
O damasqueiro, o pessegueiros, e as ameixeiras estão enganadas com o tempo, e florescem como se estivessem a chegar ao Verão outra vez.
Pode ser que a cerejeira acorde, e dê o que não dê em Maio.
O programador da rega estava ligado.” Óptimo, já sabes o que tens a fazer.”
Um arrepio , toca a mexer.
Deixou milho nas galinhas, granulado no coelhos, o porquito ainda dormia.
Voltou para dentro. Voltou a sair. Apanhou roupa, no estendal abrigado, estendeu mais roupa.
“Daqui a uns dias vai ser lixado, quando começar a fazer frio, dou cabo dos dedos”.
A máquina do pão apitou, entrou, tirou o pão, quente, perfumado, e pôs a arrefecer na grelha, para não ficar húmido.
Sete horas, acaba-se o silêncio.
Lá dentro, o rádio acorda com notícias que mais ninguém quer ouvir. Ainda é lusco fusco, porque o Outono está quente, mas a Terra não se enganou na rotação nem na translação, e os dias custam a despertar. Mais ninguém quer abrir os olhos.
Mais ninguém quer sentir o cheiro da madrugada. Mais ninguém, E não sabem como é bom
Na cama, rebolou, e ficou a ouvir mais notícias. O toque do despertador já não a estremunha, espera por ele, sonhando acordada com o início de manhãs que hão-de vir.
Acorda! Acorda, são horas!Acorda
Já vou!
Não é já , é agora.
Não começa o dia a falar com flores e frutas, ou com as galinhas