Sobre mim e outras coisas, irreais, ou nem por isso...

30
Dez 09

 

Ainda o despertador não tocara, e já ela estava na rua.

A madrugada fresca de um Outono quente era a melhor maneira de começar o dia.

O cheiro da terra húmida de orvalho entrou nela, respirou fundo, suspirou, e saiu pela porta da cozinha.

No canteiro em frente, a salsa, os coentros, cebolinho e tomilho. Arrancou algumas folhas mortas. Sacudiu algumas folhas caídas do carvalho. Quercus faginea. Alto, velho, magro, tronco torto e enfezado, com meia dúzia de bolotas. Lindo! Ao lado de castanheiros, carregados de ouriços.

Passou a garagem, pegou na mangueira e regou uns tomateiros retardados, que jamais viriam a dar fruto, só pelo sim, pelo não.

As folhas caídas dos choupos, húmidas, não restolharam sob os passos.

Não era altura de ter muita coisa.

As poucas uvas tinham sido apanhadas e comidas, porque ainda não arranjara coragem para aprender a fazer vinho, vinho que jamais iria sequer tentar provar.

Do milho, sobravam os canoucos na terra.

Dava-me jeito uma vaca”.

As maçarocas secavam, à espera de um dia que tivesse tempo para as descamisar. Dava mesmo jeito uma vaca. Comia os canoucos, comia as camisas, depois era lavrar.

Vaca não, depois que é que lhe fazia? Quem é que ia limpar tanto estrume, tirar leite todos os dias? Vaca não, cabras. Comiam as silvas .

Presas, para não comerem tudo.

As abóboras estavam no ponto. Menina e gila. Não sabia como lá foram parar, era para serem só courgetes, que tratara de apanhar antes de serem uns monstros de casca dura.

Pensou em doce. “Um dia destes, calha. Ficam já para prenda do Natal!.

À espera, os canteiros para as batatas, cebolas, batata doce. Daqui a uns dias as couves e os brócolos estarão mesmo a jeito.

Os marmelos vêm aí. Também as laranjas e as tangerinas hão-de vir.

Acabaram-se os feijões e as alfaces e os morangos. Acabaram-se as pêras-rocha e as maçãs. Jonagold, red delicious, golden, starking.

Já não há figos, pingo de mel, para colher todos os dias de manhã.

O damasqueiro, o pessegueiros, e as ameixeiras estão enganadas com o tempo, e florescem como se estivessem a chegar ao Verão outra vez.

Pode ser que a cerejeira acorde, e dê o que não dê em Maio.

O programador da rega estava ligado.” Óptimo, já sabes o que tens a fazer.”

Um arrepio , toca a mexer.

Deixou milho nas galinhas, granulado no coelhos, o porquito ainda dormia.

Voltou para dentro. Voltou a sair. Apanhou roupa, no estendal abrigado, estendeu mais roupa.

Daqui a uns dias vai ser lixado, quando começar a fazer frio, dou cabo dos dedos”.

A máquina do pão apitou, entrou, tirou o pão, quente, perfumado, e pôs a arrefecer na grelha, para não ficar húmido.

Sete horas, acaba-se o silêncio.


 

Lá dentro, o rádio acorda com notícias que mais ninguém quer ouvir. Ainda é lusco fusco, porque o Outono está quente, mas a Terra não se enganou na rotação nem na translação, e os dias custam a despertar. Mais ninguém quer abrir os olhos.

Mais ninguém quer sentir o cheiro da madrugada. Mais ninguém, E não sabem como é bom


 

Na cama, rebolou, e ficou a ouvir mais notícias. O toque do despertador já não a estremunha, espera por ele, sonhando acordada com o início de manhãs que hão-de vir.

Acorda! Acorda, são horas!Acorda

Já vou!

Não é já , é agora.

 

Não começa o dia a falar com flores e frutas, ou com as galinhas


 

publicado por na primeira pessoa do singular às 12:12
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29
Dez 09

Aí estava eu, numa situação delicada, e com a cabeça tão longe de onde o coração chorava.

Tão longe, é como quem diz, uns bancos atrás.

Senti um calor na nuca, deviam ser os olhos dela a fuzilarem-me. Acredito, no entanto, que nem sequer me tenha visto, ou ainda se lembre que eu existo.

Naquele momento triste, esqueci mão suada que agarrava, e invejei a figura esbelta, cabelo arranjado e bijuteria fina. Os óculos escuro da moda, as sandálias de salto alto.

Se fosse há dezasseis anos atrás, era ela que estaria aqui, e não eu, pensei. Por outro lado, talvez este estúpido dia de calor insuportável não tivesse acontecido.

Na fila da praxe, cumprimentou toda a gente, e passando por mim, ignorou-me, como seria de esperar de qualquer pessoa que nunca falou comigo,( talvez me tenha visto nos páteos da escola), e que não sabe nem sonha como afecta a minha auto-estima.

Perturba-me! Tanto que dois anos depois ainda penso nisto! Na altura recriminei-me, por numa distracção momentânea, que afinal ninguém notou. Depois tentei convencer-me de quanto eu sou melhor, e de que ele é meu, e elas são nossas, e que eu fui a escolhida!Fraco convencimento...

 

Acho que este fantasma vai perseguir-me enquanto eu me lembrar da manhã de Outono em que vesti a saia às pregas , de lã , com xadrez em azul e verde e uma fofa camisola de angorá, branca, um salto alto ligeiro, e cheirei a maçãs maduras e sumarentas, enquanto ia para a escola, com o coração aos saltos.

 

publicado por na primeira pessoa do singular às 19:00

 

Como se não tivesse mais nada para fazer, decidir começar um blog.

Logo hoje, com tanto para fazer, e trabalhos com entrega marcada, que não posso, de modo nenhum, falhar!

É o normal, em mim. Começar com muita antecedência, abrandar a meio, e deixar para o fim, num stress desgraçado: parece que não sei trabalhar sem ser em pressão, ou sem estar a fazer mil e uma coisas pelo meio e ao mesmo tempo.

Perita a inventar coisas para me esquivar de fazer o que tem mesmo que ser feito


 Nasce agora um dilema:Divulgo ou não?

Se sim, fico limitada no que possa escrever, porque prezo muito quem me rodeia.

Se não, então porquê? Mais valia ter um diário...

 

E o que vou escrever?O que me apetecer. O que me doer. O que me roer.Nem sempre sobre mim, nem sempre real.


 Não sei quando volterarei a escrever, mas também não é isso que interessa agora. Quando tiver tempo, quando me apetecer.

 

Agora, é descobrir como isto funciona...mas não vai poder ser já hoje. Já está num template bonitinho, o que  não é nada mau. Estou quase satisfeita com a façanha
 .!

publicado por na primeira pessoa do singular às 16:17
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