Sobre mim e outras coisas, irreais, ou nem por isso...

25
Mai 15

Hoje ( 23 de Maio)  fala-se, luta-se, alerta-se, apela-se. É a obesidade e os riscos associados que estão no centro da questão. As doenças cardiovasculares, a diabetes, doenças musculoesqueléticas...tanta coisa que vem com a obesidade.
O sedentarismo, as calorias, as gorduras, a fast food, as porcarias light encapotadas - os suspeitos do costume.

Isto que hoje escrevo, é só em meu nome, não tenho a pretensão de falar por mais nenhum gordo ou gorda deste mundo.
Falam da obesidade como se fosse uma roupa que nos fica mal. O gordo escolhe aquela roupa e continua a usar e a vestir outras ainda mais feias, mais largas por cima, apesar de todos os conselhos que lhe dão.

Vamos por partes:

- os conselhos: todos os dias alguém me diz que devia fazer dieta / ginástica e emagrecer. Eu emito opiniões desse género com os meus filhos/ filhas: tens de comer mais, estás a ficar tão madrinha, ou não comas isso estás a ficar gordinha...por enquanto sou a principal responsável pela alimentação deles, compete-me. Às vezes também abordo o meu irmão, mas acredito que isso faça parte dos estatutos e minhas competências . Ora eu não ando por aí a dizer a toda a gente se concordo ou não com o seu tamanho e o que devem fazer. Acredito que, tal como eu, estão conscientes dessa realidade ( a menos de uma doença que lhes distorça a capacidade de avaliação da sua condição). Acredito que, tal como a mim, cada comentário seja uma facada com lâmina romba, ferrugenta...

- as dietas: a primeira dieta que fiz, há uns 18 anos, custou-me 24 contos. Sendo eu apagar, custou-me muito. Ao fim dois meses tinha perdido cerca de 400g. esqueci-me de dizer que todas as dietas que fiz até hoje foram receitadas por profissionais de saúde, e que rejeitei sempre " comprimidos" milagrosos. Até porque acho que é uma coisa que eu tenho de poder controlar, sem medo de me faltar qualquer substância adjuvante. Da primeira dieta até hoje, vão cerca de 50 kg. A mais. E recordo todos os kg perdidos e ganhos com cada direitista, nutricionista, endocrinologista, médico. -1+10-7+9-3+6-9+12-3+6....e pelo meio outros ganhos em interregnos de desistência. Já fiz coisas que vão de comer metades de coisas pequenas não sei quantas vezes ao dia, chás disto ou daquilo, doses seleccionadas, ementas destinadas a determinados dias, caldos, caldinhos, com coisas magras, sem coisas magras, com leite, sem leite, com sopas de tudo menos batatas...coisas que durante uns dias ainda funcionam e depois deixam de funcionar. E então corta-se a dose, reafinam-se horários e quantidades, paga-se a consulta e marca-se para daqui a 15 dias. E depois, um dia desiste-se, e recomeçam as asneiras. O que ficou? O leite magro com vestígios de café, o fiambre de aves, os iogurtes magros nos lanchinhos, as saladas ( já disse que detesto salada de alfaces, detesto o sabor, mas vou comendo, normalmente sem tempero). E cozinhar praticamente sem adicionar qual gordura, quando muito, o mínimo dos mínimos de azeite. O que não ficou: as sopas deslavadas de couve flor e outros substitutos de batata. As minhas sopas já são más de mais para as conseguir fazer ainda pior. E ainda outra coisa: quando cozinho, não sou só eu que como, e não tenho nem tempo nem dinheiro para fazer pratos alternativos. E também não tenho paciência para a guerra que essas sopas davam direito. E suponho que nenhuma dieta funcionará com jantares perto das 10 da noite, em que tudo o que apetece depois é descansar, no fim de um dia de trabalho, de canseiras, de problemas para resolver.

-tratamentos e ginásios: enquanto paguei uma fortunazinha por drenagem linfática, a dieta associada funcionava. É um dia disse à senhora que o meu orçamento para essas massagens maravilhosas tinha terminado. E a dieta associada deixou de ter qualquer efeito. Enquanto paguei por acupuntura para emagrecer, não emagreci. Mas dormia uma sestinha maravilhosa às terças feiras à hora do almoço, que eram um sonho. Há 45 kg atrás, quando eu andava no ginásio, a moçoila saltitante de trunfa aos caracóis, uma simpatia de rapariga, com muito sucesso nos ginásios da zona e eventos desportivos, tinha dificuldade em perceber porque é que eu não conseguia saltar ao mesmo ritmo e velocidade. Não percebia bem que eu, só nas pernas, pesava mais do que ela no corpo todo. Mas eu tentava, e meses depois, nada tinha sucedido. Há 30 kg atrás quando fui para o ginásio, de companhia, quem não percebia era eu, porque é que o meu circuito era o mais duro, o mais pesado, o mais longo. Mas eu fazia-o. E eu tentava, e meses depois nada tinha sucedido. E depois a R. começou a jantar. À hora em que eu estava no ginásio. E pareceu-me que deixá-la em casa da avó antes do pequeno almoço e ir lá buscá-la depois do jantar várias vezes por semana, não era a solução. Quando há 20 kg atrás me inscrevi num ginásio que era perto, não tinha condicionantes de horário, nem eu estava condicionada por um patrão, pensei que estava aí a solução dos meus problemas. Curiosamente, o circuito das máquinas era feito sem uma gota de esforço, sem uma gota de suor. Sem ponta de efeito. Sem uma grama a menos. Já a aula seguinte, era feita a engolir lágrimas. Com dores na coluna, nos tornozelos, na planta dos pés, com falta de ar, com um permanente sabor a sangue na boca. Já vos disse quanto é que meses assim reverteram em kg? Zero. Já em euros...
A Wii tem um perfil de desporto iniciado. A bicicleta elíptica teve algum uso. Depois parei. Caminhadas? Antes das 6 da manhã ou depois das 11 da noite? Ou quem sabe, em vez do almoço? Imaginem que vão caminhar. Antes enchem uma mochila com água. Imaginem que eu vos peço para levarmos a minha mochila, para saberem o que eu sinto. Nessa mochila poderão encontrar 8, 9, 10 garrafões de água...quantos de vós conseguiriam dar um passo em frente?

- hábitos: eu sou uma comedora social.gosto de comida e de comer em socialização. Nesses dias, gosto de fazer e comer coisas, algumas não muito saudáveis.mas no meu dia a dia não faço nem como bolos, não vou ao café comprar croissants...num dia de reunião de trabalho muito desgastante, é provável que antes coma um chocolate, mas depois podem passar-se semanas que não volto a provar outro. Não bebo o cafezinho da praxe com o respectivo pacote de café, mas alguns dias gosto de beber café sem nada com bolachas. Gosto de hambúrgueres, mas normalmente são feitos em casa. Fast food? Às vezes comemos, mas nem sequer numa base semanal! Nem sequer mensal, muitas vezes! Sumos? Normalmente não existem em casa, mas gosto de sumo de laranja natural. E de sumol, mas fica para dias de excepção. Na verdade, água também não bebo muita, um dos erros que assumo. Bebidas alcoólicas estão 100% fora da minha dieta ( se calhar falta-me o copo de vinho tinto....). Comidas pré cozinhas, são também inocentes, cá por casa. Fazem parte das excepções de última hora. Problema? Como muito. Muita quantidade. Mas no dia que me apanharem a dizer: é pá, estou a rebentar!, avisem-me e eu dou-vos uma prenda a gosto. Sob pena de se eu vos apanhar, fazerem o mesmo a mim. Imagino que ficaria a ganhar. Outra coisa má: como depressa. Este sim um péssimo hábito.

- fome: eu acordo cheia de fome Todos os dias. Todos, todos, todos. O pequeno almoço é tomado todos os dias em família, sentados há mesa, com variação ao domingo, o dia das panquecas. Duas horas depois, nada resta do pequeno almoço. Esforço-me por fazer lanchinhos. Se estiver nas obras, muitas vezes passa a hora de comer e até me esqueço o tolero a fome. Se estiver no escritório, em dias de trabalho mais intelectual, às vezes parece que vou desmaiar se não comer. Mas a partir do momento em que comer o iogurte, ou a fruta ou o pao ou o que seja, estou desgraçada. Daí a meia hora a fome volta, e mais uma e outra vez. A lancheira que preparo em casa para todo o dia arrisca-se a ficar vazia antes do almoço.e depois vira o disco e toca o mesmo, até ao fim do dia.

- taxas e impostos para comida menos saudável: venham eles a ver se me fazem mossa...

- o que perco: não sei se estão conscientes do que é ser gordo e precisar de ir comprar roupa com orçamento limitado. Não sei se têm noção da variação de tamanhos de marca para marca, e invariavelmente não haver o número que é preciso. De ser quase impossível encontrar umas botas e calçado fechado. Da tortura que pode ser um dia de salto alto. De deixar de encontrar roupa interior bonita a preços que possa pagar. Da resignação de se comprar o que serve e não o que se gosta. E de voltar às mesmas lojas de sempre comprar roupa quase igual à que deixou de servir, porque mesmo nessas, o modelo é sempre o mesmo , muda a cor. E sabem o que acontece a um gordo quando se senta numa cadeira de praia? Ou num banco de plástico? Ou quando usa um fato de banho mais reduzido? Às perneiras das suas calças?

- por favor: não me digam que é fácil. Ou não estaria o mundo cheio de gordos, nem de oportunistas com tratamentos dispendiosos de eficácia duvidosa. Não me digam para fechar a boca, porque isso é admitir que todos os magros comem sempre pouco e de modo saudável, e não é essa a realidade que me rodeia. Todos o que se exercitam seriam magros, todos os magros sedentários seriam gordos...não quero mais médicos que olhem para mim e digam: rissois, croquetes, croissants, enchidos, bolos, sumos...desfiando uma lista que conheço há anos e que, de facto, não são a base do que como diariamente...

Sou gorda, mas sou gente. Hoje senti-me uma indigente, tanta notícia e comentário que ouvi sobre o assunto, sempre no mesmo tom que criticaria um criminoso condenado justamente a prisão perpétua.

Não vim aqui defender obesidade. Se fosse uma coisa que se escolhe, eu continuaria a escolher minissaias e saltos altos...e o meu corpo de 1998

publicado por na primeira pessoa do singular às 10:34

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