Sobre mim e outras coisas, irreais, ou nem por isso...

27
Mar 12

 

Dulcinea vive assustada com o fim do mundo que conhece. Preocupada com os dias que poderão vir, ou nem chegar. Acorda aflita e pensa que é hoje que virá o terramoto, o tufão, o maremoto, os dias de pernas para o ar. Sem água canalizada, sem electricidade, nem em pó, nem nas tomadas, sem pilhas, nem baterias. Sem dinheiro na mão.

Por isso importa saber que o chá e um jornal velho podem fazer caracóis, e que ervas podem fazer chá. E que outras coisas se podem cultivar.

É útil saber o que fazer ao algodão e ao linho, que poderá fazer crescer num quintal que não tem, onde encontrar as sementes, e pelo sim, pelo não, guarda em papel uma cópia de projecto de um tear.

Procura nas feiras, nas velharias, um moinho de cereais que funcione a manivela, e faz experiências com pedras, para tentar transformar trigo e milho em farinha que possa comer em pão. E sabe como preparar fermento e isco, a partir de uma maça.

Pesquisa em livros e vai ensaiando, fazendo compotas, fazendo conservas, enchidos, fumados, pensando no modo de guardar batatas e fazer durar a carne fora da arca congeladora, que não será mais do que um armário.

Numa caixa grande, guarda agulhas, tesouras, linhas e botões, e num estojo que fez, repousam ferramentas para todas as manualidades que lhe ocorram fazer no apocalipse.

Fica frustrada, por ainda não alcançar os mistérios da transformação da ferra em ferro, e do ferro em pá, em faca, em serra, e utensílios de vasta e extensa utilização.

Recorta receitas, anota conselhos, pede informações, recolhe saberes dispersos nas velhas, e arruma, ordenado, na sua cabeça e no seu coração.

Mentalmente, repete rotinas, pesquisa em livros e na internet, que pó azul pode pintar a casa, como fazer o tijolo e a cal.

Do fundo do coração, venera todos os homens e mulheres que, sem nada ter, sem nada saber, inventaram tudo o que é preciso.

Um dia, se o avião onde não viaja, cair no fim do mundo, não a apanharão desprevenida.

Um dia, se o carro avariar nos recônditos da terra, aonde não vai, a vida não parará por ali.

Um dia, se a vida a levar aos mais pobres dos pobres, recrutará um batalhão deles e lhes dará o desenvolvimento e a prosperidade pelo saber fazer.

No meio da tragédia, nunca passará mal. No reino dos cegos, terá dois olhos.

Inveja a liberdade das mulheres do antigamente, que não ficavam presas a estes pensamentos, de pouco saber fazer, se nem tudo lhe for dado pronto.

Por isso, e pelo seu mau perder, não está disposta a entregar o jogo ao futuro incerto: continua na descoberta do como se faz.



publicado por na primeira pessoa do singular às 15:32

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